domingo, 5 de janeiro de 2014

1964-2014: 50 anos de arte contra o Estado




Em 2014 completaremos 50 anos do terrível golpe contra a democracia em nosso país. Paralelo ao golpe no Brasil, outros países da América Latina conviveram com situação semelhante. Enquanto os governos traíam seu povo e rendiam-se aos planos de expansão norte-americanos, colaborando e estreitando relações com o império capitalista, estimam-se que tenham ocorrido em torno de 100 mil assassinatos e possivelmente 400 mil casos de tortura relatados em toda a região da América Latina.

Durante este período que vai entre o início dos anos 60 a meados dos anos 80, os cidadãos brasileiros começam a sofrer a cassação dos direitos políticos;  crescente desarticulação de movimentos sociais; perseguições políticas; prisões arbitrárias; exílios e até mesmo desaparecimento de pessoas.

Não para por aí! A situação se recrudesce e começam os assassinatos; o cerceamento da imprensa; a ocultação de documentos oficiais e uma campanha nacionalista e mentirosa visando ocultar os acontecimentos ocorridos nos porões da ditadura, restringindo e silenciando a qualquer custo toda forma de oposição a barbárie.

Os abusos eram cometidos em nome de uma pretensa manutenção da ordem; uma guerra declarada a toda e qualquer tendência política que buscasse alternativas ao já viciado sistema político que mantinha o Brasil em uma situação patética; de joelhos, servil, apoiada por instituições conservadoras, tradicionalistas e incompatíveis com a imagem tão propalada pelos governos militares.

Neste contexto, as resistências atreladas às suas narrativas, sempre presentes em nossa história desde o Brasil colônia, ressurgiram para fazer frente aos tiranos e como resposta ao abismo que estávamos sendo conduzidos. Em todas as áreas da cultura tivemos expoentes desta resistência de grande valor. A Bossa Nova e os Concretistas, anos antes, serviram de lastro para o surgimento da Tropicália; o Cinema novo aparece de forma arrebatadora e sofre com a censura que logo se estabelece.

Artistas impossibilitados de trabalhar em sua áreas e com o que de melhor faziam, entenderam o problema e migraram dos seus territorios comuns, buscando de forma nem sempre consciente, mas com o devido senso e intuição muito acurada, a experimentação, a fusão das linguagens, o hibridismo, que não só confundia o inimigo, como também, de certa forma, buscava encontrar novos caminhos. Não se tratava apenas de produzir algo esteticamente novo, mas, abalar as formas de abordagem e estruturas do pensamento pequeno-burguês, estabelecidas desde a sociedade colonial e que ainda insistiam em permanecer.

O tecnicismo apregoado pelos governos autoritários começava a fazer água e seu projeto de dominação provava do próprio veneno. Em uma espécide de procedimento Oswaldiano revisitado, os artistas começaram a utilizar as armas do sistema. Tudo era matéria. As linguagens se transformaram e se hibridizaram. Surgiu a video-art; a body-art; o minimalismo; as performances e happenings; o Fluxus; as intervenções nos espaços, seja através da Land-Art ou da arte urbana; e a não menos importante: arte postal.

De caráter extremamente simples, porém, de extremo poder para a difusão de idéias, a arte postal driblava os censores, atravessava as fronteiras e ampliava os ecos de dor dos porões da ditadura. Antecipava o advento da internet, redes de criação e o uso das novas mídias no que hoje denominamos "rede sociais" . Neste sentido, vimos nascer na América Latina como um todo, inclusive no Brasil, trabalhos de valiosa grandeza, que nada tem de panfletários, mas, que carregavam em sua gênese, a marca da combatividade e da resistência poética, sem que para isto fosse necessário um só ato de violência.

O alcance da rede não tinha como ser assimilado pelos verdugos da ditadura. A construção de significados simbólicos,que se deu a partir disto, quando estudado hoje, é inimaginável para os padrões da época. Alcançaram todo o mundo ocidental e parte do Oriente em trabalhos colaborativos e de work in progress.

Artistas  abriram mão de seu  lugar comum e ofereceram-se ao sacrifício, ao risco, até mesmo de vida, abdicando das rançosas idéias a que a sociedade estava habituada; colocando seu trabalho contra a idéia do estado, quando este age de maneira criminosa.

A arte de resistência neste momento histórico, alcançou uma força poética  poderosa, saindo dos esperados padrões burgueses e do simples arremedo farsesco que alguns outros dispuseram-se, naquele momento,a produzir apenas  para a indústria do entretenimento.
Existir e opinar já era o suficiente para ser tratado como um criminoso.

É neste ponto que surge entre nós a inevitável idéia sobre o artista contra o estado autoritário. Depois dos anos de chumbo, com as eleições diretas e a gradativa consolidação da democracia, nos espanta que observemos ainda, a violência e o constrangimento com que o estado e as instituições, de forma pungente tratam as diferenças de opinião. 

Podemos perceber  a tentativa do controle através de outras formas mais sutis, mais adocicadas, disfarçadas  de entretenimento e diluídos na idéia do artista bem sucedido, respeitado, que faz sua arte para a massa, de maneira a atingir a maioria sem grandes esforços, ainda que para isto, abra mão de sua poética e da construção de significados que isto possa representar. A esterilização das poéticas através de projetos duvidosos e de chapa branca, apoiados por tendência da moda ou por instituições benevolentes que utilizam de seus trabalhos para ampliar a sua marca. Feito isto e esvaziado o trabalho, caem  no ostracismo. 

O ano de 2013 foi emblemático, neste sentido, por demonstrar claramente como o Estado é ainda truculento, despreparado e ineficiente quando se dá frente com as questões básicas e necessárias da população.

A tolerância com os protestos por parte do estado brasileiro ficou demonstrada: é zero. O caso mais emblemático é o desaparecimento e assassinato do pedreiro Amarildo, que ironicamente, não participara da manifestação. A manifestação serviu de pano de fundo, para policiais corruptos fazerem o que já queriam ter feito antes. Sumiu após ser chamado à uma Unidade de Polícia Pacificadora em seu bairro, Rocinha - Rio de Janeiro. Seu caso, assim como o de muitos outros, é ampliado e nos propõe desafios, exatamente por estarmos vivendo em uma democracia consolidada. Será verdade ou caminhamos ainda em terreno frágil ?

A pergunta que nos toca, entre tantas, é: onde estão os artistas? Abriram mão de seu direito (e dever) de posicionarem-se e de ocupar o espaço ? Estariam embriagados pelo “sucesso” fácil das redes; de sua egolatria e dos quinze minutos de fama que Warhol profetizava?

A tecnologia, esta poderosa arma de construção de novas realidades e narrativas, está aí, a nosso dispor! Traz consigo, as ambivalências, subjetividades e toda a complexidade ideológica do meio para qual foi criada. E este, mais uma vez, é o desafio a que os artistas, ativistas e pessoas que se apropriam dos meios de produção de forma legítima, verdadeira, deverão entre tantos outros cenários possíveis, enfrentar: desorganizar as configurações de dominação pré-existentes já formatadas pelas nova tecnologias e descobrir outras possibilidades de construção das realidades.

A tecnologia, em absoluto, não é o inimigo! Não fosse a rede você não estaria lendo isto agora. Provavelmente nem nos conheceríamos.

Diante deste panorama apresentado, convidamos os artistas e não artistas de todo o mundo para enviar trabalhos postais em qualquer técnica, material ou suporte, com dimensões 10x15cm e que tenham como tema principal a idéia de arte como resistência, contra a repressão e a ditadura; (r)existência poética a toda forma de morte imposta pelo poder institucional; arte que se levanta em favor da vida e da livre expressão; todos os subtemas que possam abrir reflexões sobre os 50 anos passados do golpe que marcou nosso país e nossas novas gerações. Para que não nos esqueçamos e mais ainda, para que possamos construir novas utopias possíveis.

Esperamos seu trabalho! Abraços fortes, arte e vida sempre!

por Alexandre Gomes Vilas Boas, Dudu Gomes, Lara Leal e Sérgio Augusto



•   C O N V O C A T Ó R I A  D E   A R T E   P O S T A L   •

1964-2014: 50 ANOS DE ARTE CONTRA O ESTADO
Formato: Postal 10x15cm
Técnica: Livre

Enviar para:



   
Coletivo 308
a/c Alexandre G Vilas Boas
Caixa Postal 1004
Guarulhos/SP
07051-970 BRASIL



   
Ecatú Ateliê
Caixa Postal 082
Olinda/PE
53120-970 BRASIL





6 comentários:

  1. Até quando recebem os trabalhos? Obrigada.

    ResponderExcluir
  2. A exposição será no dia 1º de Abril, os trabalhos devem chegar aos destinos antes desta data. Aguardamos sua participação :)

    ResponderExcluir
  3. Mandar para os dois endereços ou somente para um deles ?

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. As exposições serão simultâneas, em Guarulhos/SP e Olinda/PE. Para participar nas duas cidades, mandar para os dois endereços. Abraços

      Excluir
  4. Que pena dia 14/3 enviei minha Arte Postal, até o momento não sei se extraviou, ou se não foi aprovada. É minha primeira vez. kkk Foi para o endereço de Guarulhos, em nome de Alexandre, eu sou a Ana Cristina. Agradeço se tiver um retorno seja qual for. Grata

    ResponderExcluir
  5. Ana, boa noite. Chegaram muitos envelopes nestes últimos dias.

    Muitos nem foram retirados ainda da caixa postal
    Fique tranquila, tenho certeza que será aprovado.

    O projeto se completa com o apoio de pessoas como você.
    Assim que for escaneado será postado.

    Obrigado, Abraços

    Alexandre

    ResponderExcluir